quarta-feira, 28 de novembro de 2007

Famílias desconhecem prostituição


TRÁFICO HUMANO
Famílias desconhecem prostituição

Muitas vezes pais acham que filhas trabalham no comércio e, em alguns casos, não têm sequer o contato delas

BIANCA MELO

Para os pais, as filhas dizem que vão para o exterior trabalhar em cafés, bares e casas de família. Não é regra, mas no caso das vítimas do tráfico de mulheres para fins de prostituição, é o mais comum. Na casa da jovem Kênia*, 23, no bairro Novo Riacho, em Contagem, seus pais se esforçam para equilibrar as despesas domésticas. Kênia se mudou para a Europa, possivelmente Portugal, há quatro anos. Ela foi deportada uma vez, há pouco mais de um ano, mas voltou com ajuda do mesmo grupo que comanda o esquema de prostituição que a levou da primeira vez. Foi a única vez que a família viu Kênia em quatro anos.

Há cerca de um ano e meio, duas irmãs mais velhas dela se mudaram também. Conforme informa o pai, um operário de cerca de 50 anos, todas já tinham experiência no comércio, mas emprego em Contagem não estava nada fácil, e elas resolveram arriscar. Ficaram o pai, a mãe e dois netos.

O nome de Kênia consta de relatório da Polícia Federal como vítima de tráfico internacional de pessoas, mas, segundo a família, ela e as irmãs batem ponto em postos de gasolina e fábricas em Portugal. Os pais não têm o telefone das filhas. Mesmo em caso de emergência, é preciso esperar que elas façam contatos lá das terras distantes. Ele diz que sente saudade, mas emenda: "filho a gente cria é para o mundo mesmo". O dinheiro que elas mandam é pouco, mas vem de vez em quando. "Ajuda a cobrir a despesa", diz.

Segundo informa o delegado substituto da Delegacia de Defesa Institucional da Polícia Federal em Belo Horizonte, Daniel Fantini, os policiais precisam ter cuidado redobrado na hora de procurar a família. "Precisávamos intimar as moças para depor no processo, mas a abordagem teve que ser sutil porque o pai não sabe mesmo o que a filha faz", disse se referindo à operação Tarô. Iniciada em 2006, ela ainda rendeu apreensões no início deste ano e conseguiu desmantelar parte de uma rede de tráfico humano que levava mineiras para se prostituirem na Suíça.


*Nome fictício


Consentimento não incrimina mulheres


As mulheres levadas a se prostituir em outro país são consideradas vítimas pela Justiça brasileira, independente de concordarem ou não com o que vão fazer. "Elas são vítimas que estão lá para realizar um sonho. Só passam a ser culpadas quando começam a colaborar com a organização criminosa", explica o delegado substituto da Delegacia de Defesa Institucional da Polícia Federal em Belo Horizonte, Daniel Fantini.

No relatório de apresentação da pesquisa Tráfico de Mulheres, Crianças e Adolescentes para Fins de Exploração Sexual Comercial no Brasil (Pestraf), consta que muitas pessoas "acreditam que as mulheres foram aliciadas por serem prostitutas e, logo, elas carregariam uma parcela de culpa pela sua situação." O mesmo estudo diz que a visão é "equivocada do ponto de vista legal, uma vez que, em nenhum momento, a legislação menciona a conduta da vítima como relevante para o crime tráfico."

A pesquisa, a mais completa sobre o assunto feita no país, foi divulgada em 2003 pelo Centro de Referência, Estudos e Ações sobre Crianças e Adolescentes (Cecria), com apoio do Ministério da Justiça. A Política Nacional de Enfrentamento ao Tráfico de Pessoas, instituída no Brasil no ano passado, reafirma: "o consentimento dado pela vítima é irrelevante para a configuração de tráfico de pessoas (artigo 7º, capítulo I)".

Segundo o especialista em políticas públicas na área de tráfico de pessoas, da Secretaria Nacional de Justiça, Ivens Gama, a tentativa de afastar o preconceito contra as mulheres motiva a política a não responsabilizá-las. "Na política pública, enfocamos a exploração e o consentimento é irrelevante porque partimos do pressuposto de que ninguém consente ser explorado e, nesse caso, a exploração invalida o consentimento", explicou. (BM)




Traficantes usam documentação falsificada


Os traficantes de pessoas encontram facilidades e brechas para agir. Quando não conseguem o passaporte pelo sistema tradicional com os dados da interessada em viajar para o exterior, eles se utilizam de documentos falsos. "Há casos extremos de pessoas que forjam certidões de nascimento e carteiras de identidade e conseguem tirar o passaporte", assinala o delegado substituto da delegacia de Defesa Institucional da Polícia Federal em Belo Horizonte, Daniel Fantini.

A Polícia Civil, responsável pela emissão de carteiras de identidade, também admite que seu sistema muitas vezes é burlado por falsários. "Eles encontram formas de ludibriar, mas o sistema está ficando mais seguro", afirma o delegado Nelson Fialho, antes da Delegacia de Falsificações e Defraudações da Polícia Civil em Minas e hoje do Departamento de Operações Especiais (Deoesp).

Só no primeiro semestre deste ano foi criado no Estado um sistema digitalizado para confrontação de dados em todos os municípios mineiros. "Agora, por meio da impressão digital, o sistema busca informação para identificar se não há outro documento registrado para a mesma pessoa." É comum, revela Fialho, aparecer alguém solicitando emissão de carteira de identidade com a certidão de nascimento da mãe ou da irmã na mão. "Quando identificamos, a pessoa é enquadrada e processada por falsidade ideológica." (BM)




Com um 1,75, a escultural Rosa chegou à Suíça, levada por uma vizinha, sem saber ao certo o que iria fazer e se assustou ao receber três camisinhas
Brasileira chegou na Suíça sem saber que ia se prostituir


MURILO ROCHA

ZURIQUE, Suíça - Em alguns casos, nem mesmo a própria vítima do aliciamento sabe ao certo o que vai fazer no exterior. "Vim com uma vizinha para trabalhar em um bar. Em 15 dias, vendi um carro e deixei dois filhos para trás em busca da chance de ganhar mais dinheiro. No meu primeiro dia, tomei um susto. Quando estava me aprontando, me deram três camisinhas. Eu não entendi nada, só então minha vizinha me contou a verdade. Não fiz nada no primeiro dia, mas depois tive de trabalhar", conta a capixaba Rosa, 30. Em pouco tempo, a morena fez fama no meio e arrebatou os melhores clientes, além de ter se casado com um suíço.

Há oito anos em Zurique, ela realizou o sonho de dez em cada dez garotas de programa no exterior. Foi casada com um europeu, sem precisar ter de pagar pelo casamento, e hoje tem o direito de viver na Suíça legalmente, apesar de ainda estar à espera do documento definitivo. No entanto, a morena de 1,75 m, corpo escultural e olhos claros ainda se sente constrangida ao falar dos momentos vividos longe do Brasil.

O sonho da capixaba se transformou em pesadelo logo na primeira semana de casada. "Após o casamento, meu marido não aceitou mais o meu trabalho, me trancava dentro de casa e me batia. Uma vez saí e, quando voltei para casa, ele me deu uma surra durante três dias. Fui parar no hospital com múltiplas contusões e ele foi preso", conta. A sorte dela só mudou quando ganhou na Justiça suíça o direito à separação e à permanência provisória no país. Atualmente, Rosa trabalha como garçonete em um bar em Lansgtrasse. "Não faço mais programas, mas não critico quem faz", fala.


Publicado em: 28/11/2007

Link - Jornal O Tempo - http://www.otempo.com.br/otempo/noticias/?IdNoticia=62991

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